Entenda por que a educação inclusiva ainda não funciona no Brasil

Um dos maiores desafios da inclusão social das pessoas com deficiência é a sua formação educacional. E esse problema, que inicia-se no processo de matrícula na escola e permanece praticamente durante toda a vida letiva do aluno, afeta não só a pessoa com deficiência como também sua família. O que leva muitos a optarem por manter seus filhos em casa ou a colocá-los em instituições especializadas.

A cena é bastante comum: você vai matricular seu filho com deficiência em uma escola e se surpreende ao dizerem que “infelizmente, a instituição não tem preparo para receber esse tipo de aluno”. Frustrada, você vai em busca de outras escolas e finalmente encontra uma que aceite matricular o seu filho. Contudo, como a turma possui cerca de 30 alunos, disseram que será necessário que você contrate um acompanhante para o seu filho. E você pensa: Pagar a mensalidade e o acompanhante vai ficar puxado pra mim, mas valerá a pena! Você, então, vai buscar seu filho na escola e percebe que ele está sempre sozinho com o acompanhante e que a cena se repete dia após dia.  Percebe, também, que seu filho não consegue acompanhar as atividades de sala de aula e começa a não querer mais ir para a escola.  A coordenação começa a te chamar para conversar sobre o comportamento do seu filho que tem ficado muito nervoso em sala de aula, tem feito muita bagunça e isso está atrapalhando a turma. É preciso arrumar uma solução… e você e a coordenação concluem que talvez seja melhor mudar de escola.

Essa cena de forma alguma deveria acontecer. Isso porque existe toda uma legislação que assegura o direito da pessoa com deficiência à educação. A começar pela nossa Constituição que prevê em seu art. 205 que a educação é um direito de todos. Implica essa disposição garantir a educação para todas as crianças e adolescentes, com suas características pessoais ( deficiente, superdotado, hiperativo, violento, calmo, indisciplinado etc). A Constituição Federal refere-se, ainda, ao atendimento educacional especializado a pessoas com deficiência que deve ser feito preferencialmente na rede regular de ensino, conforme o seu art. 208.

Esse direito foi reforçado pela legislação complementar. O Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe ” Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente…III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”.  A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ( Lei n. 9394/96), em capítulo próprio, especificou a denominada educação especial como modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino.


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Noções de Direitos das Pessoas com Deficiência

Direito à educação da pessoa com deficiência


 

O Estatuto da Pessoa com Deficiência veio concretizar esse direito em capítulo dedicado exclusivamente ao tema. No entanto, não há como garantir a educação simplesmente colocando o aluno com deficiência na escola. A educação inclusiva requer, na verdade, um SISTEMA EDUCACIONAL INCLUSIVO, compreendendo todas as ações a serem desenvolvidas para que as pessoas com deficiência possam exercer seu direito à educação, por exemplo:

  • Fornecimento de transporte adaptado;
  • Escola sem barreiras arquitetônicas, adequada às condições de acessibilidade;
  • Qualificação dos funcionários da escola, com capacitação para prestar atendimento adequado às crianças e adolescentes com deficiência;
  • Capacitação do corpo docente para facilitar a comunicação, aprendendo o básico da língua de sinais, bem como o braile e o soroban;
  • Realização de atividades de sensibilização e conscientização, promovidas dentro e fora da escola a fim de eliminar preconceitos, estigmas e esteriótipos, e estimular a convivência com alunos que tenham as mais diversas características.

A educação inclusiva contempla a adaptação da escola às necessidades do aluno com deficiência e assume papel relevantíssimo quanto ao seu destino. Ou seja, a escola pode ajudar uma pessoa a se tornar menos deficiente. Daí por que o relevante papel que desempenha a escola inclusiva quanto à cidadania da pessoa com deficiência. Ela pode tornar uma pessoa menos deficiente, integrando-a na comunidade. Contudo, verifica-se que ainda hoje esta escola inclusiva não cumpre adequadamente o seu papel, sendo vários os fatores que contribuem para tal ocorrência, tais como:

  • Os professores não se sentem preparados para atender adequadamente às necessidades do educando;
  • As crianças ou adolescentes que não possuem deficiência não foram preparadas sobre como aceitar ou como brincar com o colega com deficiência e, por isso, chegam às vezes a rejeitá-lo;
  • Muitos profissionais das escolas se opõem à integração dos alunos com deficiência;
  • Os edifícios foram construídos para pessoas sem deficiência, marginalizando, de imediato, alunos com deficiência física e visual;
  • Algumas famílias de crianças/jovens que não possuem deficiência temem que esse contato seja prejudicial a seus filhos ou não dignifique a escola;
  • Os pais e familiares de crianças/jovens com deficiência têm receio que seu filho tenha dificuldade no relacionamento interpessoal na escola, preferindo mantê-lo em casa ou em instituições especializadas;
  • Porque a própria pessoa com deficiência não foi ensinada e encorajada a enfrentar o mundo e a sociedade com confiança em si próprio.

Em suma, o sistema educacional inclusivo só será efetivo quando as muitas barreiras que existem sejam eliminadas; notadamente a barreira atitudinal. É preciso que a comunidade escolar, como um todo, perceba que a educação inclusão não é um favor; tampouco uma medida assistencialista. Trata-se de um direito desse segmento social que precisa ser resguardado.

Sendo a educação inclusiva um direito, não é o aluno que tem de se adaptar a escola, e sim a escola que tem de se adaptar à ele. O aluno deve ser visto em sua singularidade, com a especificidade da sua deficiência a fim de ser atendido de forma adequada, possibilitando o seu efetivo desenvolvimento.  Assim, além de uma visão geral que envolve a sala de aula, com todos os demais alunos, o planejamento pedagógico deve apontar para as especificidades de cada um com as possibilidades efetivas de desenvolvimento. Um deficiência auditiva requer ações educacionais diferenciadas de uma deficiência física, por exemplo.

Dessa forma, com um sistema educacional inclusivo de qualidade, espera-se não mais vivenciar em nosso país cenas como a acima relatada. Espera-se, sobretudo, que as pessoas com deficiência possam exercer de forma plena seu direito à educação e sua cidadania!


Por Talita Cazassus Dall’Agnol


 

 

9 comentários sobre “Entenda por que a educação inclusiva ainda não funciona no Brasil

  1. ludoevico disse:

    Até hoje só presenciei a inclusão social e acadêmica em uma escola. Meus filhos convivem e fazem trabalhos em grupo com colegas com diferentes tipos de deficiências. O diferencial acho que está nos valores da comunidade escolar, mais voltados para as artes do que para o consumo e a competição. É uma escola alternativa. Ano que vem eles estarão em outra escola porque vamos nos mudar. Espero que a semente do respeito, da solidariedade e do afeto continue crescendo dentro deles.🌻🌷Beijos e parabéns pelo seu empenho em conscientizar os leitores do blog. 😘😘

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  2. Januza Helena Chausse Lima disse:

    Muito bom pois temos crianças como foi o caso do meu namorado Lucas Batista dos Santos que a mãe dele teve que lidar com ele pois ela sempre era chamada nas escolas por causa do seu comportamento ele quebrava tudo na escola e ela sempre teve que ficar trocando ele de escola foi para apae mas ainda tem o mesmo transtorno psicólogico.

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  3. opinavh disse:

    Ótimo texto, bem elucidativo em torno do tema.
    É importante uma conscientização em torno das dificuldades e das limitações do outro, desde a escola, para que à partir disso, possamos trabalhar em conjunto.
    Tão importante quanto a deficiência, é o papel da escola em trabalhar as diferenças, afim de que todos possam se ajudar, buscando um progresso coletivo, sem deixar ninguém para trás.

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  4. Luiz Fernando Leal Padulla disse:

    Excelente post! Enquanto educador de escolas particulares, confesso que o sentimento é de frustração por “ter” @ alun@ em sala, mas sem conseguir dar a devida atenção. Há uma lacuna imensa entre ser uma escola inclusiva e praticar essa inclusão. E, sinceramente, digo que é humanamente impossível atender às necessidades enquanto somos cobrados pela disciplina (de outros 40 alunos) e pelo conteúdo. Algo precisa ser revisto para o bem de tod@s! Parabéns!

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